quinta-feira, 10 de março de 2011

7. RITORNA

R I T O R N A –  RITA PAVONE –  BBL-178   lançamento:  Abril 1965

1.  Viva la pappa col pomodoro [Lina Wertmüller-Nino Rota] – Viva a sopa c tomate
2.  San Francesco [San Francisco de Asis] [Lake-Green-Marmion; Migliacci]
3.  Lui  [Franco Migliacci-Luis Enriquez-Franco Zambrini] - Ele
4.  Lipstick on your collar [Edna Lewis-George Goehring] – Batom no colarinho
5.  L’amore mio [Remember me] [Shelly Coburn; v.: Migliacci]  O meu amor
6.  Wait for me [Sylvia Dee-Arthur Kent] – Espere por mim

1.  La forza di lasciarti [A.Bernabini] – A força de te deixar
2.  Splish splash [Bobby Darin-Jean Murray]
3.  Baby [When ya kiss me] [Jackie DeShannon-S.Sheeley] quando você me beija
4.  Pel di carota [Franco Migliacci-Ennio Morricone] – Cabelo de cenoura
5.  Sei la mia mamma [Lina Wertmüller-Nino Rota] – Você é minha mãe
6.  Scrivi! [Lady Love] [Charlie Rich; v.: Carlo Rossi] – Escreva!

“Ritorna’ é o album ‘Frankenstein’ de Rita. Quarto LP lançado no Brasil, foi apressadamente ‘costurado’ nas oficinas da RCA Victor, para coincidir com o retorno de Rita Pavone ao nosso país, na última semana de Abril de 1965.

Na Argentina o ‘Ritorna’ tem um correspondente em ‘Volvió la Pecosita’ [A sardentinha voltou], ‘montado’ nas mesmas condições. Há fãs que gostam mais do ‘Volvió’ [meu caso] e outros que gostam mais do ‘Ritorna’ [Enrique Rabaudi, um fã argentino].  Talvez seja o caso de gostarmos do disco que não temos em nossa coleção.

VIVA LA PAPPA COL POMODORO’ era a abertura e o carro-chefe da série televisiva ‘Il giornalino di Gian Burrasca’ [O diário de João Furacão], baseado em livro homônimo, lançado no início do sec. XX, contando a história de um menino levado-da-bréca, da burguesia italiana do final do século 19. A certa altura da narrativa, Giannino é interno de um colégio, no qual está havendo uma rebelião contra a ditadura do diretor, que impõe a fome aos pobres alunos.  O texto de Lina Wertmüller, que adaptou a obra de Vamba para a TV e disco, teria conotações esquerdistas, com o verso: ‘a barriga que ronca é causa do complô, é causa da luta, ‘abaixo o diretor’, a sopa nos foi cortada, agora exigimos a papa de tomate!’  A série foi sucesso absoluto na Itália, exibida entre Dezembro de ’64 e Fevereiro de ’65. Foram lançados um LP da trilha-sonora e um 45 rpm, mas aqui no Brasil nós não sabíamos do que se tratava, e a RCA, tampouco, fêz questão de explicar. Há um texto na contra-capa de ‘Ritorna’, mas somente com chavões. Rita bem que tentou convencer o público do Teatro Record, de que esse era seu grande sucesso, fazendo com que a platéia a cantasse com ela, mas não convenceu, pois ninguem entendeu patavina.  Ah, Anton Karas toca cítara na introdução e interlúdio. Karas ficou famoso pela trilha-sonora de ‘O terceiro homem’ [The third man], filme de 1949, baseado em conto de Graham Greene, tendo vendido mais de milhão do tema principal.

SAN FRANCESCO’ – versão de ‘San Francisco de Assis’, musica norte-americana, composta em espanhol. Versão feita por Franco Migliacci, letrista-coringa, pois servia a quase tudo;  desde a letra original de ‘Volare’, passando pela ‘Pantera cor-de-rosa’ [Meglio stasera], em parceria com Henry Mancini, até ‘Tintarella di luna’ [Banho de lua]. Rita a gravou acompanhada por the Rokes, o conjunto inglês, lançado na Itália por Teddy Reno, que ficaria muito famoso a partir do advento da musica 'beat’ em 1966.  The Rokes que acompanharam Rita na excursão do verão de 1963, nunca haviam gravado com ela.  Aqui eles tocam todos instrumentos e cantam ao ‘background’.  É uma oração ao famoso santo dos pobres e desamparados, pedindo a ele que a ajude a manter o amor do namorado. Aqui no Brasil fêz sucesso, lançado em Janeiro ’65, logo após ‘Sul cucuzzolo’/‘Bianco Natale’, uma época que tudo que Rita Pavone tocava virava ouro.

LUI’ [Ele] –  foi o grande ‘trunfo’ de Rita na 2ª tournee sul-americana. Migliacci se ajuntou a Enriquez e a Zambrini, que era o letrista favorito de Gianni Morandi, para fazerem essa pequena obra-prima. ‘Lui’ tinha tudo para ‘emplacar’ no Brasil, mas ‘morreu na praia’.  A música italiana já estava perdendo seu encanto por essas paragens, ou talvez a RCA Victor já não estivesse ‘boa das pernas’, pois Bobby Solo [Chantecler] e Pino Donaggio [Odeon] ainda reinavam por aqui.  Na verdade não lançaram ‘Lui’ em compacto, e sim ‘Viva la pappa’, que não tinha nada a ver para quem não tivesse assistido a série na TV. Rita a cantou ao vivo em suas apresentações no Teatro Record, de São Paulo, e a levou para o ‘Cantagiro 65’, apresentando-a, inclusive, em Moscou, e acabou vencendo o certame de verão.

LIPSTICK ON YOUR COLLAR’ [Batom no colarinho] –  Rita gravou para ‘Small Wonder’, seu 2º LP norte-americano, que não foi lançado aqui ou Argentina. ‘Lipstick’ tinha sido sucesso na voz de Connie Francis em Junho de 1959, inclusive tendo tido versões nas vozes de Selma Rayol, irmã do Agnaldo, e de Mina, na Itália.  A gravação de Rita está ‘moderna’, com introdução de pandeiro [novidade na época] e metais para marcação de ritmo, mas a gravação de Francis é uma obra-prima do rock nascente, com um solo de guitarra no interlúdio de se ‘babar’.  É o drama de uma garôta que vai ao baile com o namorado; ele diz que vai buscar um refrigerante, demora um pouco e volta com mancha de batom no colarinho;  logo em seguida aparece Mary Jane, sua melhor amiga, toda descabelada e com batom espalhado nos lábios.  Uma tragédia de bailinho magistralmente narrada pela letrista Edna Lewis.

L’AMORE MIO’ [O meu amor] – olha outra versão do Migliacci! Desta vez de 'Remember me' [Lembre-se de mim] o maior sucesso de Rita nos Estados Unidos [chegou ao 27o posto na Billboard].  Há fãs que gostam mais desta versão que o original em inglês. Fez muito sucesso na Italia, sendo lado B de ‘San Francesco’, que acabou sendo um compacto com dois lados A [double-sided hit].  Rita cantou essa canção no Studio Uno 1965, no qual contracenou com as famosas alemãzinhas [ou seria alemãzonas?] Gêmeas Kessler. É irônico que a versão diz: ‘Você pode ter tudo, a vida não vai te negar nada, mas há só uma coisinha que você nunca terá, que é o meu amor...’  Talvez ela esteja se ‘vingando’ da ‘esnobada’ que recebeu no original ‘Remember me’ [vide LP # 3].

WAIT FOR ME’ [Espere por mim] – o 2º compacto de Rita lançado nos U.S.A. Uma balada muito bonita, que conta a historia de uma menina apaixonada por um cara mais velho; ela pede encarecidamente que ele ‘espere por ela’;  o mesmo drama de ‘Non ho l’età [per amarti]’, que revelou Gigliola Cinquetti no Festival di San Remo de 1964.  Nos anos 2000 ficamos sabendo que, na verdade, essa musica foi escrita por uma garôta norte-americana apaixonada pelo Paul McCartney, baixista-galã dos Beatles. Ela enviou letra e musica para a RCA, que respondeu dizendo que a menina teria que pagar para a ‘edição’ da música. Como a garôta não tinha dinheiro, acabou desistindo. A RCA ‘editou’ a canção no nome de Sylvia Dee & Arthur Kent, e Rita Pavone gravou. A menina só descobriu que a musica dela tinha sido roubada, quando assistindo ao ‘Ed Sullivan Show’, viu uma italianinha interpretando sua música.  É a música da Rita  [em inglês] favorita do Enrique Rabaudi. Talvez porisso ele goste tanto do LP ‘Ritorna’, pois não saiu na Argentina.

LA FORZA DI LASCIARTI’ é lado B de ‘Lui’, mas deveria ter sido A. Uma composição super- inspirada de A. Bernabini, o mesmo autor de ‘Non è facile avere 18 anni’; um play back super-moderno, um solo de saxofone de dar inveja a qualquer jazzista, e uma interpretação das melhores de Ritin.  Ainda bem que é abertura do lado B do LP, o que já confere um certo ‘lugar-de-honra’ que ela não teve no 45 rpm. Rita grita e bérra... mas sempre junto com os instrumentos que sopram à mil por hora... um sucesso total.

‘SPLISH SPLASH’ é outro ‘prato requentado’ [vide ‘Lipstick on your collar’], pois originalmente gravada pelo autor Bobby Darin [Robert Waldon Cassotto é seu nome real] em Agosto de 1958. É música onomatopéica, pois o título se refere ao barulho da água da banheira do cara que estava tomando banho num sábado a noite. Tocam a campainha, ele se levanta, envolto numa toalha, abre a porta e seus amigos invadem o apartamento com a intenção de fazerem alí um baile. Ele pula de volta à banheira e quando termina, vê que a sala já foi tomada pelos ‘teens’, e a bagunça é geral, com gente dançando por todo canto. Darin faz menção a vários nomes famosos como [Long Tall] Sally, [Good God] Miss Molly, Peggy Sue, ‘Lollipop, etc. Onomatopéica e metalingüística, pois menciona, já em ’58, os principais rocks da época, que acabaram fazendo história. Como se percebe, a versão de Roberto Carlos [1964] não tem nada a ver com o original, embora não tenha sido má idéia associar o som ‘splish splash’ com o barulho de um beijo, e de um tapa subsequente; continuou a ser onomatopéica, mas sem a história embutida do Rock’n’Roll. O mais interessante é que a parceira de Bobby aí foi Jean Murray, uma velha senhora, mãe de Murray the K, disc-jockey fomoso de New York nos anos ’50. Rita interpreta bem, mas com muita dificuldade, dada a difícil tarefa de cantar um número ‘up-tempo’[rápido], numa lingua que não é dela. Dá dó da ‘Pintadinha’, quando ela diz: ‘in my living-room rug’ [no tapete da minha sala-de-estar]... é um ‘tongue-twister’ [de dar nó-em-língua] de difícil enunciação. Rita foi usada e abusada nos U.S.A. Ainda bem que ela ‘puxou o carro’. Aquilo não daria futuro a ninguém.

‘BABY’ [When ya kiss me] -  Quarta música tirada de “Small Wonder’, 2º LP de Rita nos U.S.A. Essa, uma pérola, escrita pela cantora-compositora Jackie DeShannon. Jackie foi rockeira de 1ª hora, tendo sido namorada de Eddie Cochran, e feito parte da troupe que ia se apresentar no show de 3 de Fevereiro de 1959 – ‘o dia que a música morreu’ – Buddy Holly, Big Bopper e Richie Valens morreram na caída do avião que os levavam até lá. DeShannon escreveu jóias do tipo ‘Every time you walk in the room’ [The Searchers], e o ‘mega-hit’ ‘Bette Davis eyes’ [1981]. Visitou o Brasil em 1957, com a troupe ‘Rock’n’roll fantasy’, usando pseudônimo de Jackie Dee, no primeiro show de rock que o país assistiu.  Era considerada a ‘Elvis Presley-de-saias’, embora se apresentasse de calças compridas. Rita consegue uma interpretação magnífica, mesmo sendo a música de dificil andamento [up-tempo]. A gravação de DeShannon é mais lenta, e com sabor ‘Country & Western’, ao passo que a de Rita tem mais sabor ‘Latino’;  talvez pela percursão, metais ‘a la mariachi’ do maestro Sammy Lowe, e a interpretação quasi ‘a la Carmen Miranda’ de Rita.

‘PEL DI CAROTA’ [Cabelo de cenoura] – música composta especialmente para Rita por Franco Migliacci e Ennio Morricone, pois fala de seu cabelo cor-de-cenoura e suas fatídicas sardas. Uma de suas primeiras gravações, talvez feita para ‘Alta Pressione’. Embora Rita a tenha cantado ‘ao vivo’ no Teatro Record, em 1964, ela nunca tinha sido lançada no Brasil, pois foi preterida por ‘Cuore’ em seu 1º LP. É um tipo de música-resposta a alguém que a ‘censurou’.  Nesse caso, o rapaz diz que não quer saber dela, pois ela tem cabelo de cenoura... e ela responde: ‘Você tampouco é muito belo e nem cheio de virtudes, mas já se sabe que quem ‘despreza, comprará’...  em outro trecho ela diz:  ‘Que me importa se eu tenho cabelo de cenoura, é melhor a cabeça toda avermelhada do que a cabeça toda vazia...’.  Morricone bolou um arranjo interessante, com um apito, que só se ouve em escolas de samba do Rio de Janeiro.

‘SEI LA MIA MAMMA’ – é o lado B do compacto-simples ‘Viva la pappa’, do seriado televisivo.  Uma balada doce e suave, onde o João Furacão [Gian Burrasca] despeja todo amor filial à sua mãezinha querida. Nino Rota, o rei das melodias, nunca falha em apresentar algo encantador, podendo ser a trilha-sonora de ‘Romeu e Julieta’ [A time for us] ou do ‘Grande Chefão’ [Where do I begin?]. Nino Rota era rei. E Lina Wertmüller a rainha das letras sensíveis.  Só poderia dar numa obra-prima.  Rita homenageou todas as mães do Brasil [1965] e a sua própria, que sempre a acompanhava em suas viagens ao Patropí.

‘SCRIVI!’ termina esse LP Frankenstein.  Original composto e gravado por Charlie Rich, cantor-compositor de Nashville, como ‘Lady Love’. Rich conseguiria seu maior sucesso em 1974 com ‘The most beautiful girl in the world’. Rita consegue repetir a façanha de ‘Cuore’, ou seja, a versão ficou melhor que o original. É uma simples mensagem ao seu amor distante, pedindo a ele que escreva; ‘basta uma palavra, para não me fazer mais sofrer’. O texto é simples, mas o arranjo é intricado. É um ‘tour-de-force’ entre Rita e o coral ‘4+4’ da Nora Orlandi, que fazem um ‘call-and-response’ do começo ao final da gravação. Começa baixinho, com palmas marcando o rítmo, vai subindo aos poucos, com um acorde ‘diminuto’ para enriquecer a melodia, terminando num paroxismo que resvala aos ‘revivals’ evangélicos dos negros do Sul dos U.S.A.  Nota-se também o piano grave do maestro Enriquez Bacalov. Esse foi o segundo maior sucesso de Rita no Brasil, o qual ela lançou ao vivo no palco do Teatro Record, acompanhada pelos talentosos Clevers: Mingo,  Manito, Risonho, Neno e Netinho, que fariam sua tournee italiana do Verão de 1964.  Saiam os Rokes, entravam os Clevers.  Muito sagáz.



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